Quem é Luiza? O título do livro, aliado à imagem de capa, instiga a curiosidade do leitor. Luiza, jovem negra, é protagonista da narrativa em que sevícias e abusos sexuais são práticas comuns e mesmo institucionalizadas, como no contexto da escravização de povos africanos, assunto de que trata o livro.

A história contada por Plínio Camillo extravasa algumas definições de gêneros literários. A linguagem aproxima-se a um fluxo de poesia, a que o narrador confere tons épicos. Os fatos e ações heroicas dessa quase e breve epopeia, estão associados à mitologia dos orixás das tradições africanas.

Em Luiza, episódios e personagens se articulam para transitar em tempos e espaços míticos. Um efeito de flutuação de sentidos provoca o leitor, levado a navegar no pesadelo vivido por Luiza e em seus sonhos de bem-estar e liberdade.

A figura feminina é predominante. Uma linhagem de mulheres de luta emerge na narrativa; assemelham-se no enfrentamento de enormes desafios para sobreviver. Aos quinze anos, Luiza tem dez de cativeiro. Fugira com a mãe de um ataque a Efegô, onde moravam. Perseguida e humilhada, ela conhece a “felicidade acre de ter sobrevivido” entre jesuítas, quando começa sua existência de completa sujeição aos escravizadores e à violência perpetrada: “A esfrega é para descadeirar a negra saliente”.

A dominação das vontades têm o ápice na brutal sujeição sexual das mulheres: “a tunda foi por queimar o purê de batatas com legumes e não levantar a saia quando o padre Vicente queria: não queria mais se mostrar!”. Os assassinatos correm soltos: “Novamente escuta os berros dos recém-nascidos, quando foram mortos na pia batismal! Seu nariz incha da tanta culpa. Baba pela surra e pelo arrependimento. Não chora!”

Quem é Luiza? Luiza são várias, entre elas, Luiza Jagun, a fundadora de Efegô, terra mítica. O caminho para alcançar Efegô, porém, é longo e impreciso. Luiza protagonista encarna a sina das mulheres, mães e filhas humilhadas, derrotadas; história que também é de todos os perdidos nas diásporas africanas. A África lembrada e a desejada se mesclam nesta história instigante. A chegada de Iku, a morte, é precedida pelo som dos atabaques. Logo, uma Luiza bem-vestida e sã se vê sorrindo, “como há muito não tinha vontade fazer”. Está em Orun, “a terra de tantos céus como contas do colar de Oxum”.

O orixá Logun Edé a toma pela mão. Ele será seu guia espiritual na jornada de memórias e reencontros com familiares – a mãe, os filhos gêmeos. Luiza toma conhecimento da existência de muitas “luizas”, e de suas jornadas acidentadas, com enfrentamentos, perdas, avanços e retrocessos. O caminho tempo de Orun, ora percorrido, é lugar onde todos têm sede de narrativas. E a Luiza é solicitado que relembre a história de Logun Edé, de Luiza Jagun e de Líbia, e de muitos outros.

O reconto das histórias parece reavivar a memória dos sentimentos bons, ainda que a morte ronde. Hora virá em que Luiza protagonista conhecerá afefé, a própria sina: “Sonho com o dia em que todos terão consciência que foram feitos para viverem como irmãos”. Que esse dia venha!!

 

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