Lagartixa

Tum tum tum caaaaa sssshhhiaa tum tum caaaaa… O lençol tinha caído no chão, o travesseiro estava úmido de suor, era tarde da noite. Ela acordou. No verão de calor intenso, o ventilador se arrastava barulhento, mas não era o que ela ouvia. Do jardim vinham sons de agitação nas folhagens, e pela janela sombras, que se balançavam sobre as portas do armário. Não era sonho, não parava: tum tum tum caaaaa ssisshha.. caa... cada vez mais perto.

Virou-se de lado na beira da cama, esticou o pescoço e conseguiu ver o corredor, a porta do quarto dos pais e do irmão mais velho; nada se mexia por ali. Escutou: silêncio; depois os barulhos e gritos recomeçaram: caaaaa ssisshssihh caaaaa tum tum tum… eheha… ohohoha… 

Então as sombras no armário se sacudiram, dois grandes estrondos se explodiram em raios, e a chuva caiu pesada, batendo com força no telhado e nas varandas ao redor da casa de dois andares. A ventania jogou água para dentro do quarto, sobre o computador, a poltrona, os tênis. A luz foi e voltou, fustigou o ventilador e o relógio de cabeceira, e o escuro ficou de vez. As pancadas e o vozerio não pararam.

Quis gritar pelo pai e a mãe, não conseguiu; mesmo se lembrou de que tinham saído. Tum tum tum caaaaa ssisshssihh caaaaa tum tum tum…caaa eheheha… eheha ohohoha – batiam bem mais forte agora. Os sons pareciam vir da varanda da sala, da porta de madeira envidraçada. Seu coração batia aos toques das batidas que ouvia, seu corpo se retesava e se encolhia na cama no mesmo ritmo. Suava e suava.

O celular. Ele estava no andar de baixo, na sala da porta de madeira envidraçada; se conseguisse ir lá. Começou a rezar pai-nosso, ave-maria, mastigando o decote da blusa do pijama e sentindo a vontade de fazer xixi apertar. Pegar o telefone; era só descer os degraus e lá estaria ele sobre o rack da TV, no vão da escada. Tum tum tum tum caaaaa ssisshssihh caaaa tum tum tum… Aquela coisa de sons e gritos já estava ao lado de sua janela, queria entrar.

Então deslizou da cama e, de barriga colada no chão, foi se arrastando pelo corredor, que percorreu devagar, o mais silenciosamente que pôde, tremendo e transpirando até alcançar a escada. Foi se escorregando nos degraus; o celular estava no rack, bem perto. Estacou, quase sem respirar, quando viu o vulto se movimentar em frente às janelas da sala em escuridão. Lá fora a tempestade golpeava, estrondos e relâmpagos se repetiam. Ficou gelada como pedra de gelo; e então sentiu o calor do xixi a escorrer.

Parece que foi nesta hora que entendeu: tum tum caaa ssisshssihh caaa Cááássiiaa! Cássiaa! Cássiaa! Sou eu! Sou eu! Seu irmão, caramba! É o Julinho! Abre a porta pra mim! Tem mais de meia hora que estou aqui, batendo, berrando, pô! Já rodeei a casa toda! Estou todo ensopado! Perdi minha chave de casa! Vem abrir a porta! Por que está grudada no chão desse jeito? Tá parecendo lagartixa, com esse olho arregalado, abre a porta logo, menina.

 

editado 30/5/19 -fgo

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