UMA VEZ OUTRA

A literatura primeiro
aprendi eu um pouco
olhando o céu e o rosto
no espelho, um falso rebanho
mansos pastando nuvens
zonzas de azul redondo
o vento a sorte soprando
a bel-prazer os encantos
a literatura se deu
assim sem sustos um dia
primeiro.

Então o fluxo a pedra
a planície o rio ah…

o leito o dorso
em movimento
ruído  balanço
o pardo sedutor:

um sanhaço bobo
anunciava um gato
no peitoril da janela.

Gado ruminava poeira
e colonião no lamaçal.

Oiti bocejava folha
meio a ventania.

Delaide negra amarrava histórias
madrugava casos de assombração.

Bruxas e fadas revoavam soltas
saias me picando os dias.

A mãe e o pai deitavam
no prato um doce açucarado
de fumegante apuração.

São Jorge ponderava a lua
o Dragão e sim
a literatura se deu
assim um dia
primeiro.

Quando depois, então, aconteceu
o temporal de estrelas.
Saci montou cavalo, partiu:
Terras do Nunca.

Homem de sobrolhos espessos trouxe
bonequinha falante no chapéu.
Caçadas de Pedrinho.

Oitenta dias de Iracema,
a volta ao mundo e Monsieur Hugo.
A deusa do Olimpo, Capitu, eras tu.

Então, o belo
o moço ardente que bradava, chama:
Espumas Flutuantes. Sonha Hércules,
Jerônimo, herói pequeno e sono
de vozes secas do sertão.

Enfim a arca! O tesouro!
O descoberto ouro e a meta
formosa desconvexa
do meu pirata.

E vieram os índios.
John Wayne galopando os prados
e Sissy, a Imperatriz
(mas não Carlota, a Joaquina)
e impossíveis sons da garganta
do mundo, eu li o Rock and Roll.
I can get no
satisfaction.

Vi Vênus que surgiu ao vivo
e vestiu de vestal Marilyn Monroe
o senhor da era
quiseram
a Seleções perfeita que digerisse tudo
as enciclopédias, as coleções
para a juventude, as quimeras
de luxo, porém,
o mundo gritava muito,
e as brochuras se desmanchavam bem
dobradas nas mãos, mais sólidas que o ar
as noites quentes tinham madrugadas próprias
o vento rarefeito nas mangueiras e
as palavras lidas viveram por mim.

Tudo tudo até o rio me levar ao mar
para a descoberta da hipnose do mar.
A maravilhosa água cheia de céu
e de vento e de sol
mar contínuo, mar mais forte, eu
virgem desmanchada em ondas
de vertigem iluminada
os horizontes vermelhos
as constelações verdes viajando na tarde
o reino do silêncio
dominado pelas vagas
friagens brancas, sonoridades agitadas,
as ondas enrolando as palavras
as outras falas.

Tive sonhos líquidos. Uma língua
serpente penetrava em meus ouvidos
e do fundo do mar bocas
espocavam abertas boiando sem destino,
flores marinhas estranhas, ressequidas
sem paz, como nunca mais tive eu.

Nin  guém
Nada    no    redor    das    coisas
Nem no seu por dentro
Apenas um BLOCO
De  e s p u     mas
le v e s
des
in
te
gran
do
s  e
Memória
membrana insípida
Mentira
melancolia merencória
do sopro
animal.

Quis escrever. Quis escrever.
Palavras se quiseram indeléveis na areia
e um sal calmo foi se depositando na alma, afinal.

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